sexta-feira, 26 de abril de 2013

Um pouco sobre o livro Tengu-geijutsu-ron


O que confere tanto valor à leitura da tradução do Tengu-geijutsu-ron em sua íntegra, é a enorme quantidade de pensamentos e teses das mais variadas procedências, e  a riqueza de imagens e comparações que configuram, talvez melhor do que muitas palavras, o conteúdo de um conceito, a força e a absoluta sinceridade humana com que o autor defende a sua convicção - pois ele considera verdadeiramente o Caminho que propaga como o único caminho real, em cuja trilha não só o artista da espada, mas também o homem, pode fazer jus à sua determinação. Se no decorrer desse Caminho, por vezes ele se torna intolerante, podemos atribuir isso às suas boas intenções, e não às más.

Porém, o mérito do Tengu-geijutsu-ron também consiste em erradicar da arte das espadas a reputação de atividade voltada apenas para a morte - que lhe foi conferida por muitos contemporâneos de Shissai - e incorporá-la ao sistema confucionista, que encara o mundo, a vida e o homem de modo positivo. Se, no decorrer desse processo, Shissai remonta a pensamentos e a representações budistas, ele só é pessoalmente culpado destas circunstâncias confusas em segunda instância. O principal responsável por esse estado de coisas é o sistema neoconfucionista, que encerra em seu interior várias influências budistas e com o qual Shissai se identifica. Outro mérito do Tengugeijutsu-ron é sua incessante insistência na aceitação universal das leis da arte das espadas em todos os setores da vida humana, e também numa postura sensata e sincera em relação a todas as tentativas de mistificação.

A forma de emoldurar os contos em que os pontos de vista de Shissai são transferidos para a boca dos Tengu é um mero artifício literário e talvez não facilite essas tentativas de mistificação, mesmo se através dessa forma e por intermédio da escolha do título, Shissai quisesse apelar para um tipo de leitor que ele pretendesse converter.
Porém, de modo algum se poderá negar ao Tengu-geijutsu-ron o caráter de uma obra instrutiva e proselitista.
Para orientar a tradução do Tengu-geijutsu-ron, reproduzimos a seguir, em síntese, as mais importantes teses de Shissai:

1 ) A perfeição na arte das espadas consiste em dois componentes: a segurança técnica e o entendimento espiritual. Ambos devem formar uma unidade, e são inalienavelmente interdependentes.

2) A compreensão espiritual se manifesto na "naturalidade do coração". Quem pratica a arte das espadas deve corresponder, espontaneamente, à eventual situação, sem se irritar de modo algum por qualquer sentimento ou intenção. A reação deve seguir-se de imediato, como o espelho reflete uma imagem. E não deve apegar-se à situação.

3) Essa absoluta franqueza diante da situação só é alcançável quando os componentes individuais da constituição psicofísica (Princípio, fluido e coração) têm condições de se desenvolverem sem restrições. Pode-se exercer influência sobre esse processo por intermédio da prática.

4) Contudo, a perfeita arte das espadas, alcançada através da segurança técnica e da plenitude espiritual no sentido mencionado, não é um valor em si. É preciso que seja praticada em uníssono com as principais éticas básicas da humanidade, da moral e da lealdade. Só tem valor na medida em que é proveitosa para a sociedade e para o Estado. Por negar esses valores, o budista não pode ser um verdadeiro mestre da arte da espada. O domínio dessa arte está restrito a quem segue a trilha de Confúcio e, portanto, o caminho do Universo.

Shissai Chozan é severo em suas exigências. Ele leva o homem muito a sério, assim como as reivindicações do meio ambiente no que lhe diz respeito. E não é de seu feitio lidar de modo irresponsável com uma arte na qual a vida e a morte de um homem podem estar implicadas. Desse modo, sua obra também é um documento que pertence à humanidade, apesar de seu tema bélico e de seus ataques contra o Budismo. Dentro de seus limites, ele preencheu as exigências de Confúcio quando este se dirigiu a Tzu-hsia:

"Que sejas nobre em tua sabedoria, e não sábio em tua maldade!"

sexta-feira, 19 de abril de 2013

O Mundo flutuante



O Mundo flutuante designa uma época da história cultural do Japão, iniciada no período Edo (1600–1867), e nasce do desenvolvimento da cultura urbana desta época, sobretudo nas cidades Edo (Tóquio), Osaka e Kyoto, na sequência dos novos tempos de paz e de prosperidade.

A urbanização crescente deste período revela já em 1670 uma nova forma de vida: chōnindō, a vida das pessoas da cidade. Culturalmente, o ideal das qualidades bushidō, código de ética samurai (diligência, honestidade, honra, lealdade e frugalidade), mescla-se de influências xintoístas, neoconfucionistas e budistas. O estudo das ciências é estimulado bem como a qualidade dos trabalhos artísticos e artesanais, e a crença no talento e no esforço individual, enquanto forma de mudar o destino dos homens, começa a tomar força.

É então que a nova e enérgica classe de mercadores e de artesãos reclama uma literatura própria, Ukyio, compilada sob a forma de álbuns e de livros ilustrados, ehon 絵本, baratos e acessíveis. Contos e romances irónicos e irreverentes, cujos escritores de referência são Ejima Kiseki, Ueda Akinari,Ihara Saikaku, Murasaki Shikibu, aliam então antigas lendas chinesas e o universo do fantástico ao mundo da alegria, da sensualidade e do bem-estar urbanos. Ao retratar personagens e cenas de lazer, lutadores de sumô, gueixas, actores de teatro e paisagens populares, os escritores e ilustradores Ukyio pretendiam eternizar os momentos divertidos e fugazes de um universo idealizado que unia a moda, o entretenimento e a demanda de qualidades estéticas na vida quotidiana.

Com  procura crescente e a grande divulgação que entretanto esta nova literatura conhece, as ilustrações (Ukiyo-e), de início monocromáticas mas recorrendo depois a toda a paleta de cores, tornam-na extremamente popular. Na segunda metade do século, as Ukyiio-e autonomizam-se, assumindo a forma de postais, calendários e cartazes nomeadamente para o teatro kabuki que também nasce neste período e se tornará o mais conhecido dos estilos tradicionais de drama japonês. De entre as obras dos artistas maiores desta arte, como Utamaro, Hiroshige, Sharakue Hokusai, as mais conhecidas são talvez as ilustrações de paisagens e da natureza de Katsushika Hokusai, em particular as suas Trinta e seis ilustrações do monte Fuji (富嶽三十六景).

Com a restauração Meiji em 1868, o Japão volta a abrir-se ao Ocidente e os ukiyo-e tornam–se uma fonte de inspiração para artistas impressionistas, cubistas, e post-impressionistas como van Gogh, McNeill Whistler, Monet, Degas, Mary Cassatt e Toulouse-Lautrec, entre outros. Esta influência é conhecida como Japonismo.



Fonte: //domundoflutuante.blogspot.com.br/p/acerca-do-o-mundo-flutuante-ukiyo.html

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Yasuke, o Samurai Negro


Durante o início do século 16 os Japoneses começaram a ter os primeiros contatos com pessoas provenientes da África, levados ao Japão como escravos pelos missionários Jesuítas Portugueses.
Um jovem Africano chega ao Japão em 1579 como servo do jesuíta italiano Alessandro Valignano.
Valignano esteve na capital no dia 23 de março de 1581 levando o imenso rapaz que causou uma grande sensação pela cor da sua pele e por seu porte físico, várias pessoas se acotovelavam para vê-lo. O senhor feudal Oda Nobunaga ouviu falar sobre o tal "monge" e expressou o desejo em conhecê-lo.

Nobunaga fica impressionado como a maioria das pessoas naquela época.
Era o primeiro grande contado de que se tem registro da África com o Japão.
Valignano presenteia o rapaz a Nobunaga, e este por sua vez simpatiza muito com o escravo, lhe rebatizando de Yasuke, colocando-o ao seu lado e nomeando-o membro da sua guarda pessoal, portanto, um verdadeiro Samurai.

Há o registro de que em maio daquele ano,Yasuke fez uma breve viagem a província de Echizen com os jesuítas, que recebeu dinheiro do sobrinho de Nobunaga e que este gostava de conversar com Yasuke que já havia aprendido um pouco do idioma.
Também que os filhos do Senhor feudal simpatizaram muito com o samurai de ébano, e que Nobunaga concede uma de suas filhas adotivas em casamento.

Algumas fontes dizem que Yasuke era bacongo, proveniente da região onde hoje é a atual republica do Congo, outras fontes dizem que ele era da Itália e a maioria das fontes afirmam que Yasuke era proveniente do lugar a que hoje é conhecido como Moçambique.




Capa e verso originais do livro de Yoshio Kurusu da década de 40

Há quem diga atualmente que devido a pessoa de Oda Nobunaga ser extravagante e excêntrica, Yasuke teve esses "privilégios" apenas como uma curiosidade ou ferramenta política de popularidade com as massas.
Por certo que o povo comentava que Yasuke se tornaria um Lorde graças ao seu temível patrão, mas não chegou a tanto, posteriormente ele é nomeado a categoria de "Shikan", conselheiro da guarda pessoal de Nobunaga, portanto, um Samurai de alto escalão.

Há quem diga também, sendo mais coerente com a época e circunstâncias, que Yasuke chegou a esse cargo por sua absurda força física, sua capacidade em aprender rapidamente e principalmente por sua lealdade ao patrão, fatos que impressionaram a Nobunaga.

Em junho de 1582, Nobunaga foi atacado em Honnô-ji (incidente de Honnô-ji) em Quioto, pelo exército de Akechi Mitsuhide. Em meio as chamas da derrota numérica, Nobunaga comete suicídio por Seppuku. (Há controvérsias)
Yasuke também estava lá naquele momento. Imediatamente após a morte de Nobunaga, Yasuke se apresenta ao filho herdeiro de Nobunaga, Oda Nobutada e retira-se com ele ao Castelo de Nijo.
Quando este também é atacado por Akechi.

Yasuke luta ao lado das forças de Oda Nobutada por muito tempo, Nobutada também comete o seppuku, e mesmo assim, Yasuke continua lutando até ser capturado e ter a sua vida poupada.
Ele então é enviado e custodiado pelos cristãos e aqui termina a sua breve história, ficando por conta dos detalhes adicionais um pouco da pessoa de Yasuke.

Yasuke foi mencionado nos relatórios anuais da companhia de Jesus a Portugal, escritos por Luis Frois e nesse mesmo tempo, Lorenço Mexia escreve sobre a repercussão:

"Era um homem negro nunca antes visto em kyôto, onde a multidão de pessoas se acotovelava para vê-lo." 

"Quando Nobunaga conhece o escravo, ele fica profundamente impressionado. Ordena então, a que tirassem a roupa do escravo e que o banhassem para ter certeza de que o seu tom de pele era natural mas, quanto mais o lavavam, mais a sua pele ficava bonita e brilhante."

Nas crônicas de Nobunaga, há o seguinte registro:

"No dia 23 de março de 1581, um monge negro veio dos países cristãos. Aparentando ter 26 ou 27 anos de idade. Todo o seu corpo era preto como o de um touro. O homem era saudável e de boa aparência. Além disso, sua força era maior que a de 10 homens."

(O registro ou as crônicas de Nobunaga, são um registro dos seus feitos, compiladas no período Edo com base nos registros de Ôta Giyuchi)

No diário de Matsudaira Ietada, há o registro de que: 

"Seu nome é Yasuke, seu corpo tem a cor equivalente ao do carvão e sua altura é de 6 Shaku 2 sun (1 metro e 87 centímetros)"

Yasuke continua no combate em Nijo, mesmo após a morte de Nobutada, derrotando vários inimigos até ser capturado e levado a presença de Akechi, no qual um soldado pergunta: 

"-O que devemos fazer com este escravo negro?"

No que Akechi responde: 

"-Ele é uma besta, não tem conhecimento de nada e nem Japonês ele é. 
Levem-no ao Templo Nanpan e deixem-no lá." 

Embora esta frase denote desprezo pelo outrora escravo, acredita-se que este foi um modo oportuno que Akechi encontrou para salvar a vida de Yasuke. A verdade porém, é "desconhecida"

"Nanpanji" ou Templo Nanpan era o termo utilizado naquele tempo para designar a igreja cristã a que Yasuke foi enviado. Depois disso, não se sabe mais nada sobre ele. 
Mas segundo outra fonte, o Samurai Africano teria sido deportado e enviado as Índias.


A imagem acima, provavelmente é de alguma representação teatral moderna...


Na década de 40 Yoshio Kurusu publica o livro fictício "Kurosuke" com ilustrações de Genjirou Minoda, deixando na memória das crianças, o destaque de um personagem simpático e nobre.
O livro recebeu o prêmio infantil da Associação Japonesa de escritores em 1969.


Sendo esse livro a provável origem do outro nome a qual Yasuke é conhecido e que algumas fontes insistem em dizer que assim ele sempre foi chamado:
"Kuru San". (Senhor Negro) No entanto, no período Sengoku em que se passa a história, o termo "San" (Senhor) não era utilizado. E o termo correto para negro é "Kuro" e não "Kuru" (Kuro, mesmo naqueles tempos em que só havia os regionalismos idiomáticos, completamente diferentes do idioma oficial de hoje em dia).


Na década de 90, o canal de televisão NHK levou ao ar a novela "Nobunaga - King of Zipangu" e merece todos os aplausos, pois mostrou a participação de Yasuke, coisa que em outras produções sempre o herói era suprimido. Nessa novela, Yasuke tem o nome de Sotero, personagem vivido por Reed Jackson da imagem abaixo.

Ali acima, a fonte diz que ele foi poupado por esta ou aquela razão, mas que a verdade seria "desconhecida". No trecho abaixo avento uma hipótese que salvou a Yasuke da morte certa:

Saindo das fontes frias, e usando uma fonte informal e a minha não tão confiável memória Rusvalínica...

Certa vez o Senhor Aoki, chefe da seção, me contou o que sabia sobre Yasuke, em um dos longos intervalos para o cafezinho (chá) da empresa Oê em que trabalhei em Hiratsuka:

"-Yasuke? O Samurai negro? Se sabe muito pouco sobre ele...
Apenas que ele não bebia saquê, não usava palitos e comia com as mãos, era exímio lutador de sumô e no incidente de Honno-ji ele defendeu a Nobunaga e seu filho até onde pôde e após a suas mortes, ele ainda derrubou 10 guerreiros blindados e armados até os dentes, até ficar cercado pelo exército de Akechi, onde finalmente entregou a sua espada e só foi poupado porque reconheceram o seu valor em combate."

Ainda me lembro do Senhor Aoki demonstrando o gesto formal de abaixar a cabeça e entregar a espada com as duas mãos...

Vídeo do capítulo 48 da novela que citei acima, onde Yasuke aparece como o personagem Sotero junto de Valignano, do tradutor Yajiro e Nobunaga no minuto 20:00 em diante. (Há falas em português):




fonte: http://www.rusmea.com/2013/02/yasuke-o-samurai-africano.html


sexta-feira, 5 de abril de 2013

Kimono, "coisa de vestir"


"Vestuário" em japonês fala-se ifuku. Cristiane A. Sato, colaboradora do CULTURA JAPONESA, aborda neste artigo a história e a evolução do vestuário tradicional no Japão, e de como foi sempre fazendo parte da moda que o kimono não apenas tornou-se reflexo da cultura, como mantém-se vivo no cotidiano dos japoneses há mais de 2 mil anos.

Observação: neste artigo adotou-se a grafia Hepburn kimono, embora também seja considerada correta a grafia "quimono", uma vez que expressão que já se encontra incorporada ao português e consta dos dicionários da língua portuguesa.

RESPOSTA A UMA PERGUNTA

Kimono em japonês significa literalmente "coisa de vestir"(ki = "usar" e mono = "coisa"). Fora do Japão essa expressão designa genericamente uma variada gama de peças e que no conjunto formam um visual considerado típico ou tradicional japonês, mas também é sinônimo da peça principal.

No Japão, a peça principal que nós chamamos de kimono é chamada de kosode.
O atual significado da palavra de kimono tem origem no século XVI, quando navegantes ocidentais - principalmente portugueses, espanhóis e holandeses - chegaram ao arquipélago.
Nos primeiros contatos com os japoneses, sem conhecerem os idiomas de uns e de outros, os ocidentais perguntavam com mímicas e gestos qual era o nome das roupas de seda que viam os japoneses usarem, e os japoneses respondiam kimono.
Era como alguém perguntando a um japonês: "Como se chama sua roupa?" E o japonês respondia: "Roupa". Foi assim que a palavra kimono tornou-se designação moderna do vestuário tradicional japonês.
No Japão o vestuário divide-se em duas grandes categorias: wafuku (vestimenta japonesa ou de estilo japonês) e yofuku (vestimenta ocidental ou de estilo ocidental).
A história do vestuário japonês é em grande parte a história da evolução do kosode, e de como os japoneses adaptaram a seus gostos e necessidades estilos e a produção de tecidos vindos do exterior.

NA ANTIGÜIDADE
Não se sabe ao certo como eram as roupas usadas na Pré-história japonesa (Era Jomon - 10 mil a.C. a 300 a.C.), mas pesquisas arqueológicas indicam que provavelmente as pessoas usavam túnicas de pele ou de palha. Na Era Yayoi (300 a.C. a 300 d.C.) a sericultura e técnicas têxteis chegaram ao Japão através da China e da Coréia.

O Príncipe Shotoku e dois de seu filhos: penteados, túnicas e acessórios de forte inspiração chinesa na corte imperial japonesa. Agência da Família Imperial, Tóquio, Japão



os séculos IV a IX, a cultura e a corte imperial no Japão receberam forte influência da China. Influenciado pela recém-importada religião budista e pelo sistema de governo da corte Sui chinesa, o regente japonês Príncipe Shotoku (574-622) adotou regras de vestuário estilo chinês na corte japonesa. Posteriormente, com o advento do Código Taiho (701) e do Código Yoro (718, eficaz só a partir de 757), as roupas na corte mudaram seguindo o sistema usado na corte Tang chinesa, e foram divididas em roupas cerimoniais, roupas de corte, de roupas de trabalho. Foi nesse período que passou-se a usar no Japão os primeiros kimonos com a característica gola em "V", ainda similares aos usados na China.

OPULÊNCIA TÊXTIL

Na Era Heian (794-1185) o contato oficial com a China foi suspenso pela corte imperial, e esse afastamento permitiu que formas de expressão cultural genuinamente japonesas florescessem nesse período. No vestuário isso se refletiu em um novo estilo, mais simples no corte, mas mais elaborado em camadas e sofisticação têxtil.

Os homens da aristocracia passaram a usar o sokutai, um conjunto formal composto por uma ampla saia-calça chamada oguchi, cuja aparência recheada e firme se deve a várias camadas de longos kimonos por baixo chamados ho, e uma enorme túnica bordada, de mangas longas e amplíssimas e uma cauda de cerca de 5 metros. Uma tabuleta de madeira chamada shaku e uma espada cerimonial longa, a tachi, eram complementos obrigatórios. Os homens ainda deviam usar um penteado chamado kammuri - composto basicamente por um chapeuzinho sólido preto e uma ou mais fitas de seda engomadas na vertical, tudo preso ao cabelo. De acordo com variações (haviam 5 delas, referentes a quantidades de fita, se ela enrolada, se ela pendia do chapéu, etc), sabia-se o status ou grau de importância do indivíduo na corte. Uma versão simplificada do sokutai, o ikan, é usada atualmente pelos sacerdotes xintoístas.

As damas da corte usavam o igualmente amplo e impressionante karaginumo, mais conhecido pelo nome adotado após o século XVI jûni-hitoe, ou "as doze molduras da pessoa". Trata-se de um conjunto de nada menos que doze kimonos da mais fina e luxuosa seda sobrepostos chamados de uchiki, cada um levemente mais curto que o anterior, de modo a deixar golas, mangas e barras aparecendo em discretas camadas, criando um efeito multicolorido de impacto. O último uchiki, que serve de sobretudo, era bordado e era freqüentemente complementado por um cinto amarrado à frente em forma de laço no mesmo tecido, e uma cauda que podia ser em outra cor ou textura. Um enorme leque decorado com cordões de seda e um tipo de carteira de seda, encaixada na gola entre a 3ª e a 4ª camada, eram complementos obrigatórios. As mulheres não cortavam os cabelos: eram usados longuíssimos, lisos, soltos sobre as costas ou simplesmente amarrados um pouco abaixo da altura do pescoço, freqüentemente com as pontas arrastando no chão sobre a cauda do jûni-hitoe.

Reprodução moderna de um jûni-hitoe, usado na Era Heian (794-1185).
TNM Image Arquives

ESTILO SAMURAI

Na Era Kamakura (1185-1333), o advento do xogunato e o declínio do poder e do prestígio da corte imperial trouxe ao vestuário novos estilos adotados pela ascendente classe dos samurais. Na corte imperial e do xogum os grandes senhores e oficiais mais altos ainda usavam o formal sokutai, mas o kariginu, antes um traje de caça informal da aristocracia - um tipo de capa engomada com gola arredondada, longas e amplas mangas que podiam ser decoradas com cordões - foi amplamente adotado pelos senhores feudais e samurais.

As mulheres passaram a usar uma combinação de uchikis com um hakama, saia-calça ampla com placa de sustentação nas costas, usada também por homens. Com o tempo, uso do uchiki deu lugar ao kosode, que comparado ao uchiki é menos amplo, tem mangas mais curtas, e cuja forma aproxima-se mais dos kimonos modernos. A amarra para fechar o kosode era feito com faixas estreitas, na altura da cintura ou pouco abaixo da barriga.

Na Era Muromachi (1333-1568) acrescentou-se o uchikake - também chamado de kaidori - um kimono com a mesma forma mas um pouco mais amplo que o kosode, que serve de sobretudo e que podia ou não ter barra almofadada. O kosode com uchikake era o traje formal feminino das altas classes. Hoje em dia o uchikake faz parte do traje de noiva tradicional.


Uchikake usado em peças Nô, confeccionado no século XVIII - National Museum, Tokyo

Na Era Azuchi-Momoyama (1568-1600), período marcado por constantes guerras pelo poder entre os generais Hideyoshi Toyotomi e Nobunaga Oda, os samurais continuaram a usar coloridos e ricos conjuntos de peças superiores com calças, chamados de kamishimo - um kimono masculino com uma saia-calça ampla, longa e estruturada chamada nagabakama, tudo feito no mesmo tecido, às vezes complementado por uma jaqueta sem mangas, com ombros alargados e estruturados em tecido diferente. O kamishimo continuou sendo usado até a segunda metade do século XIX.

GOSTOS BURGUESES

Durante os 250 anos de paz interna do xogunato Tokugawa (1600-1868), os chõnin (burgueses, ricos comerciantes) deram apoio a novas formas de expressão artística e cultural que não mais derivavam da corte imperial ou da corte do xogum. O teatro kabuki e os "bairros do prazer" nas cidades de Edo (Tóquio), Osaka e Kyoto ditavam moda. O kosode, que se tornou o traje básico para homens e mulheres, passou a ser mais decorado, seja pelo desenvolvimento de técnicas de tingimento como yuzen e shibori, seja por outras técnicas artesanais de decoração têxtil com pintura, bordados e desenhos desenvolvidos no tear. Os obis femininos, faixas largas e compridas usadas para fechar os kosodes, feitos em brocado com fios de ouro e prata, ganharam ênfase na moda e viraram símbolos de riqueza.

A haori, uma jaqueta com mangas amplas e gola estreita feita de seda, na qual bordava-se ou imprimia-se símbolos que representavam a atividade profissional da pessoa ou a insíginia (kamon, ou escudo circular) do chefe da família, passou a ser amplamente usado. Uma versão popular, de mangas mais estreitas, feita em tecido mais simples e resistente, passou a ser usada por trabalhadores e funcionários de estabelecimentos comerciais. Chamada de happi, essa peça ainda é muito usada.

Algumas peças surgidas no início desse período refletem influência portuguesa. A kappa (capa longa de corte circular, com ou sem gola, sem mangas, usada como sobretudo) deriva das capas usadas pelos navegantes portugueses, assim como a jûban (camisa com forma de kimono curta usada como roupa de baixo) deriva do "gibão" português.

Seibunkasha

No século XIX, o xogunato refez as normas de vestuário militar, e tornou o kosode, o hakama com barra na altura do tornozelo e o haori o uniforme-padrão dos samurais. O daisho (conjunto de duas katanás - espadas curvas - uma longa e outra curta) e o penteado chonmage - a parte acima da testa é raspada, com os cabelos, compridos na altura dos ombros, presos em forma de um coque na parte superior atrás da cabeça - eram de uso obrigatório.O conjunto kosode, hakama e haori é hoje o traje do noivo em casamentos tradicionais.

TEMPOS MODERNOS

A partir da Restauração Meiji (1868), os japoneses lentamente adotaram o vestuário ocidental. 
O processo começou por decreto: o governo determinou que todos os funcionários públicos, militares e civis, passassem a usar roupas ou uniformes à ocidental. Ao final da 1ª Guerra Mundial (1918), quase todos os homens já usavam ternos, camisas, calças e sapatos de couro.

As mulheres adotaram mais lentamente os estilos ocidentais. No início apenas a aristocracia usava vestidos de gala, importados da Europa, usados em algumas ocasiões formais na corte Meiji e em bailes do suntuoso salão Rokumeikan (de 1883 a 1889) em Tóquio. A partir da 1ª Guerra Mundial, mulheres instruídas e com profissões urbanas passaram a usar diariamente roupas ocidentais, mas só após a 2ª Guerra Mundial (1945) foi que o vestuário ocidental passou a ser a regra em todas as classes sociais, homens mulheres e crianças.

Atualmente a maioria das mulheres usam kimonos apenas em ocasiões especiais, como casamentos e matsuris (festivais populares ou tradicionais). Homens usam kimonos ainda mais raramente. O yukata, kimono leve de algodão estampado, típico de verão, ainda é bastante usado por homens e mulheres nos festivais de verão e em resorts, à ocidental ou estilo japonês. Desde a virada do milênio, entretanto, mais pessoas têm resgatado o uso do kimono no cotidiano, gerando um movimento informalmente apelidado de fashion kimono - kimonos de forma tradicional mas com estampas modernas, obis (faixas de amarrar na cintura) que não amarrotam ou com nós prontos, que agradam a um público mais jovem.

Fashion kimono: temas abstratos, geométricos e estamparia moderna e o insubstituível toque da seda fizeram as japonesas voltarem a usar kimonos no século XXI - Saita Mook, Shiba Park-sha .

TIPOS DE KIMONOS

Parece simples, mas não é. Dependendo de estampas e cores, os kimonos seguem uma etiqueta, uma hierarquia cujo uso depende da ocasião, da estação do ano, do sexo, do grau de parentesco ou do estado civil da pessoa que o usa. Veja a seguir os principais tipos de kimono:

Kurotomesode - "mangas curtas preto", kimono preto com profusa decoração das coxas para baixo e com 5 kamons (escudos de família) impressos ou bordados em branco nas mangas, peito e costas. Usado com um obi de brocado dourado, é o kimono mais formal das mulheres casadas, geralmente usado pelas mães do noivo e da noiva num casamento.

Irotomesode - "mangas curtas colorido", kimono liso de uma só cor, geralmente em tons pastéis, com profusa decoração das coxas para baixo e com 5 kamons (escudos de família) impressos ou bordados em branco nas mangas, peito e costas. Usado com um obi de brocado dourado, é um kimono menos formal que o kurotomesode, e é usado por mulheres casadas que são parentes próximas dos noivo e da noiva num casamento.

Kurotomesode Sekaibunkasha

Furisode - "mangas que balançam", kosode feminino cujas mangas possuem 70 cm a 90 cm de comprimento. É o kimono formal das moças solteiras, ricamente estampado, fechado com obi em brocado multicolorido e brilhante amarrado em grandes laços nas costas. É geralmente usado no Seijin Shiki (Cerimônia da Maturidade, no mês de janeiro no ano em que a moça completa 20 anos) e pelas moças solteiras aparentadas da noiva nas cerimônias e recepções de casamento.

furisode

Houmongi - "traje de visita", kimono liso de uma só cor, geralmente em tons pastéis, com profusa decoração em um dos ombros e uma das mangas, e das coxas para baixo, sem kamons (escudos de família). Considerado um pouco menos formal que o irotomesode, em cerimônias de casamento é usado por mulheres casadas ou solteiras, que geralmente são amigas da noiva. O houmongi também pode ser usado em festas formais ou recepções.

Tsukesage - Comparado ao houmongi, o tsukesage tem uma decoração um pouco mais discreta e é considerado menos formal que o houmongi. Dos kimonos que podem ser usados diariamente por casadas e solteiras, é o mais requintado.

Iromuji - kimono de uma só cor, que pode ter textura mas sem decoração em outra cor, usado principalmente em Cerimônias do Chá. Pode ter um pequeno bordado decorativo ou um kamon (escudo de família) nas costas. É um kosode semi-formal, considerado elegante para uso diário.

Komon - "estampa pequena", kimono feito com seda estampada com desenhos pequenos repetidos por toda a peça. Considerado casual, pode ser usado para sair pela cidade ou para jantar em um restaurante. Pode ser usado por casadas e solteiras.

Tomesode - "mangas encurtadas", kosode feminino de seda, forrado em seda de cor diferente, cujas mangas possuem 50 cm a 70 cm de comprimento. A expressão deriva do costume de que quando as mulheres se casavam elas passavam a usar kimonos com as mangas curtas - ou cortavam as mangas dos kimonos - como símbolo de fidelidade ao marido. A maior parte dos kosode usados por mulheres são desse tipo.

Yukata - kimono informal de algodão estampado, sem forro. Mulheres usam os de grandes estampas, geralmente de flores, com obi largo, e os homens usam os de pequenas estampas, com obi estreito. 
O yukata é mais usado em matsuris (festivais), mas também pode ser usado diariamente em casa. 
Ryokans (hotéis ou pousadas tradicionais) e onsens (resorts com termas) costumam disponibilizar yukatas para todos os hóspedes.

KIMONOS CERIMONIAIS INFANTIS

Shichi-go-san (7-5-3) é o nome de uma cerimônia xintoísta na qual as meninas e 7 e 3 anos, e os meninos de 5 anos de idade, vestem kimonos especiais e visitam o templo para pedir saúde e boa sorte em seu crescimento. As meninas são vestidas como mini-gueixas, destacando-se a cor vermelha, e os meninos usam uma versão miniatura de um traje formal completo de samurai. A haori dos meninos são estampadas com imagens de samurais famosos (normalmente a figura de Minamoto no Yoshitsune, também chamado de Ushiwakamaru, herói do Heike Monogatari - O Conto de Heike).

DETALHES

Eis a seguir um vocabulário sobre aspectos e acessórios de kimonos:
- Geta - sandália de madeira, geralmente usada por homens e mulheres com yukata.
- Kanzashi - nome que designa uma série de ornamentos para o cabelo usados com kimono. Podem ter a forma de espetos com terminais esféricos ou diversos formatos decorativos, flores ou de pentes. São feitos em madeira laqueada, tecido, jade, casco de tartaruga, prata, etc.
- Obi - faixa usada amarrada à cintura para manter o kimono fechado. Varia em largura e comprimento. Homens em geral usam obis de trama larga e firme, em cores discretas, estreitos, amarrando com um nó às costas circundando a linha abaixo da barriga. Mulheres em geral usam obis em brocado largos, com desenhos feitos no tear, ao redor do tronco e amarrados às costas. Cores e desenhos variam: os mais brilhantes e intrincados são usados em ocasiões formais.
- Obijime - cordão decorativo em fio de seda usado para dar acabamento e firmeza à amarra do obi. Usado por mulheres.
- Tabi - meia de algodão na altura dos tornozelos ou metade das canelas, com divisão para o dedão do pé, com abertura voltada para o lado entre as pernas.
- Waraji - sandálias de palha trançada. Bastante comum décadas atrás, atualmente são mais usadas por monges.
- Zõri - sandália com acabamento em tecido, couro ou plástico. Os femininos são estreitos e possuem a ponta mais ovalada, e os masculinos são mais largos, retangulares, com as extremidades arredondadas.

BUDÔ
Keikogi (稽古着 ou 稽古衣 Keikogui) é uma palavra japonesa que significa uniforme de treinamento (keiko = treinamento, prática; gi = roupa). Sendo um uniforme para prática de esportes (artes marciais), não consiste necessariamente de kimono, mas sim, de uma vestimenta específica para cada modalidade. A palavra "Keikogi" é erroneamente substituída por "gi", essa substituição é errada por que "gi" não apresenta o mesmo significado. Uma substituição correta seria "Dogi" que significa "o uniforme usado no caminho que você escolheu" pois se você colocar o nome do esporte no lugar de "do", você obtém exactamente o significado de dogi (judô-gi, caratê-gi).

CURIOSIDADE:
Aikidogi (合気道着 or 合気道衣, uniforme de aikido)
Judogi (柔道着 or 衣, uniforme de judô)
Jujutsugi(柔術着 or 柔術衣, uniforme de jiu-jitsu)
Karategi (空手着 or 空手衣, uniforme de caratê)
Kendogi (剣道着 or 剣道衣, uniforme de kendô), normalmente um kimono e um hakama
Shinobi-iri e shinobi shozoku (uniforme ninjutsu)

FONTE:  www.culturajaponesa.com.br/kimono